05/12/2006

David Pajo - “I’m a poor lonesome musician...”

David Christian Pajo podia ter tudo na música. Tem um passado glorioso por detrás e um futuro auspicioso pela frente. Contudo, continua a trilhar o seu caminho pessoal e solitário. Em entrevista por altura da edição de “1968”, revela-se um americano desencantado que não podia viver noutro pais, porque só na América é que pode viver como músico independente. O sonho continua, tal como parece que o cognome PAJO é para continuar, pelo menos nos próximos tempos. Até porque em PAJO ainda há muito para explorar. E a exploração começa aqui.

PRESENTE

Após um hiato de 4 anos entre “Whatever Mortal” e “Pajo”, em apenas dois anos dois novos discos debaixo de um novo nome artístico. Estamos perante um ressurgir criativo de David Pajo?
Eu estou sempre activo. Durante esse período editei EP’s e CD singles, para além de uma compilação de singles antigos. Além de que muitas das coisas que escrevo e gravo não são editadas.

Primeiro foi M Thirteenth Letter. Depois Aerial M e Papa M. Agora PAJO. Estas “encarnações” são uma forma de mostrar a sua evolução musical?
Sim. São uma forma de delinear diferentes períodos e fases da minha carreira. Gosto de explorar diferentes aspectos da escrita e gravação de canções. Quando sinto que houve uma transição substancial, o nome muda. Mas estou a pensar manter o cognome PAJO nos próximos tempos. Quanto mais não seja porque foi o nome com que nasci...

Então assinar como PAJO significa que já não necessita de um alter ego?
Sim. Pela primeira vez tive coragem para me afirmar por detrás do meu nome e da minha música.

A voz é agora uma constante nos seus discos. Quando é que sentiu a necessidade de incluir vozes na sua música?
Foi quando gravei a minha versão de “Last Caress” no final dos anos 90. Sempre gostei de letras e sempre pensei na música instrumental como se fosse uma narrativa. Apesar disso não quis arriscar revelar a minha nudez interior (risos). Levei algum tempo a perceber que não só gosto de cantar, como essa é a área em que preciso de trabalhar mais.

“1968” parece ser um passo em frente em relação ao anterior “Pajo” e também parece ser a sua afirmação mais completa enquanto escritor, vocalista e guitarrista. Para si, quais são as principais diferenças entre os dois discos?
Fico muito contente por achar isso. Eu não faço ideia do que dizer de “1968”. É difícil para mim olhar para o disco de forma objectiva. Quando o ouço parece-me inacabado. Há tantas coisas que gostava de ter feito e não tive nem tempo nem recursos para o fazer. Mas fico contente que goste dele. Já “Pajo” foi para mim um disco muito desesperado e apaixonado. Num certo sentido, é o disco mais embaraçosamente honesto que alguma vez fiz. Gravei-o quando estava a sair de uma depressão e toca-me particularmente nesse sentido, mas raramente revisito essas canções. “1968” é mais deliberado. Quis fazer um disco menos sentimental e mais abstracto através da combinação de elementos que liricamente não deviam funcionar: letras místicas sufi, entremeadas com letras de bandas de death metal e filmes de terror. Também procurei melhorar a qualidade da gravação e nesse sentido estive mais atento à ciência da engenharia áudio.

Toca tudo neste disco, ou existe alguma banda? Qual é o seu processo criativo?
Eu escrevo, toco e gravo tudo sozinho. Compro e instalo os microfones e defino os níveis sonoros. As canções começam como esqueletos, com guitarra acústica e voz. Os contornos vão surgindo com o tempo. Costumo ter uma ideia muito nebulosa do resultado final, que se vai focando à medida que vou acrescentando coisas.

Em “1968” há terror (“Who’s That Knocking”, “Walk Through The Dark”), serial killers (“Wrong Turn”, “Cyclone Eye”), dramas pessoais (“Foolish King”, “Prescription Blues”), o desespero do amor (“Let It Be Me”) e uma confissão final que dá alguma luz ao todo (“I’ve Just Restored My Will To Live Again”). Porquê este contraste entre temas negros cantados ao sabor de belas melodias?
A música country antiga, como Hank Williams Sr., teve um grande impacto em mim, porque as letras eram pesadas e negras, mas a música era alegre, “uptempo” e até dançável. Por exemplo “My Son Calls Another Man Daddy”. Esse conflito sempre me tocou muito e procuro fazer o mesmo com a minha música. Ao balancear contrastes conseguem-se criar extremos. Se eu usasse as mesmas palavras numa canção de heavy metal não soaria tão assustador, ou bipolar.

Porque é que estes temas lhe agradam?
Faz parte da tradição folk reflectir o lado negro, mas mais do que isso eu quis fazer um disco mais violento e mais masculino no que às letras diz respeito. Eu vejo muitos filmes de terror e gosto de ficção “macho”. Gosto de ver boxe e de ouvir metal. E também leio muita poesia marada. Esta diversidade de influências cria um agradável híbrido de estilos musicais, o que por sua vez cria algo de único.

Esta escuridão tem alguma coisa a ver com o período negro que a América está a atravessar actualmente, não só com Bush e a(s) guerra(s), mas também com a má imagem que os EUA projectam actualmente para o mundo?
Não. A mim só me interessam as politicas do coração. Sempre achei que a América é completamente fodida, por isso as minhas expectativas estão a cumprir-se. Mas também é verdade que não gostava de viver noutro sítio, porque aqui posso sobreviver como músico.

Os americanos migram muito por todo o país. Porque é que sentiu necessidade de sair da sua cidade natal, Louisville? E porquê Nova York como destino?
Eu estou sempre em movimento. Fui para Nova York porque na altura era solteiro e é em Nova York que estão as raparigas mais atrevidas (risos). Actualmente vivo em Columbus, Ohio. Esta necessidade de mudar tem a ver com uma série de circunstâncias e interesses. Eu quero absorver o máximo que puder da América. Cada Estado é um pais.

De regresso à música, onde encontra a sua inspiração? Isto é, quais são as suas musas?
Amores não resolvidos e escuridão. Os suspeitos do costume!

É verdade que tem medo do palco? Tocar sozinho não torna as coisas piores?
Sempre tive medo do palco, mas estou a melhorar. Continuo a não conseguir olhar para a assistência e consumo muita energia quando tenho de o fazer. Todas aquelas “janelas da alma” a olhar para mim. É assustador só de pensar nisso.

Por falar nisso, como são os seus concertos hoje em dia?
Não existem e não dão dinheiro. A oferta não cobre a procura. Por isso, a minha música não tem muita saída. Estou a focar-me mais na minha outra banda, os Dead Child.

Apesar disso, a sua música tem mais saída na Europa ou na América?
Por acaso tem mais saída na Europa. Por alguma razão que desconheço, os europeus percebem melhor a minha música.

FUTURO E PASSADO

Apesar de andar nestas andanças há quase 20 anos e de ter feito parte de projectos como Slint e Tortoise, e de ter tocado com “gurus” como Will Oldham, Billy Corgan, Stereolab e Royal Trux, continua a ser um artista “low profile”. É uma opção ou é mesmo assim?
É mesmo assim. Esquivo-me sempre aos olhares do público e assim é normal que o público me encontre noutro lado qualquer.

Porquê a reunião dos Slint no ano passado?
Simplesmente porque nos fizeram uma oferta generosa para sermos os curadores do festival All Tomorrows Parties em Inglaterra. E para o fazermos apropriadamente tínhamos de dar mais concertos de modo a dar mais consistência ao projecto. Daí uma tourné.

E correu bem?
Correu melhor do que eu alguma vez esperei.

Há alguma hipótese de um regresso dos Slint?
Não faço ideia. Provavelmente depende da procura...

Ouvi dizer que estão a preparar um DVD com os concertos da reunião...
Está em banho maria...

Porquê o final súbito dos Zwan? Foi uma boa ou má experiência?
O Billy deitou tudo a perder quando cancelou a tourné e despediu o Paz da banda. Eu fiquei lixado com ele e nunca mais falámos desde então. No geral a experiência foi fantástica, apesar de ter conhecido algumas pessoas que até a si lhe iam dar vontade de vomitar. De certeza!

Ouvi dizer que tem uma nova banda de heavy metal chamada Dead Child.
Pode ler tudo sobre os Dead Child em www.deadchild.net, mas posso dizer que tudo começou na tourné dos Slint. Eu, o Michael McMahan e o Todd Cook gostámos tanto da experiência que decidimos criar um novo projecto onde iríamos explorar um estilo mais agressivo. Como gostamos todos de metal, fomos por aí. O Dahm entrou para as vozes, o Tony Bailey para a bateria e aqui estamos. Em princípio, em 2007 deve haver disco.

E o que se segue para David Pajo enquanto artista solo?
Já estou a trabalhar num novo disco. Talvez dê alguns espectáculos na Europa para o ano que vem. Quero tornar-me um artista de estúdio e tocar ao vivo de vez em quando. Muito de vez em quando...

Se pudesse escolher uma banda ideal para tocar consigo, quem escolheria para cada instrumento, morto ou vivo?
Os Dead Child são a minha banda ideal e felizmente estão todos vivos e recomendam-se. E ainda por cima vivem todos na mesma cidade. O que é que eu poderia querer mais?


PAJO
“1968”
2006 – Drag City / Domino

Em 1995, David Pajo começou a sua saga como músico em nome próprio. M is the Thirteen Letter, Aerial M, Papa M e PAJO são as encarnações até à data de um músico que muda o nome do seu projecto ao sabor das mudanças das suas tendências musicais. Colectivamente, David Pajo foi um dos mentores da cena rock e pós-rock de Louisville e Chicago, como parte integrante de projectos tão seminais como Slint e Tortoise. Tudo isto, que já não é pouco, entremeado pelo empréstimo dos seus talentos a mil e um outros projectos, entre os quais se contam King Kong, Palace Brothers, Stereolab, Royal Trux, The For Carnation, Matmos, Bonnie 'Prince' Billy, Zwan e no presente Dead Child.
Um artista introvertido com vasta experiência e batido nos estúdios e palcos do mundo, que cria música de um sublime negativismo e de uma beleza estonteante. Um músico de contrastes que continua a apostar em si próprio porque não sabe fazer mais nada na vida e porque cada disco que cria o deixa insatisfeito ao ponto de ter de fazer outro. E outro... E ainda bem... “1968” é a sua última e mais perfeita tentativa, e onde os seus dotes de trovador se apresentam muito bem apurados. Um álbum escrito, instrumentado e produzido solitariamente por David Pajo, com letras negras, muito negras, mas com uma suavidade musical e um sentido de harmonia únicos. Apesar da obscuridade, damos por nós a trautear alegremente “if i cared about the insults / my friends have made to me / I wouldn't be on this path of debauchery”. Ou então: “here they come / hillbilly killers on the run / with shotgun / cut her up / and cut her down in a pickup truck / giddy up”.

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